O banho de sessenta horas
É um pouco difícil imaginar como seria tomar um banho que dura dois dias e meio. Entretanto, se a gente levar em conta banhos diários de dez minutos, esse é mais ou menos o período que ficamos por ano debaixo do chuveiro. Mas por que soa estranha a ideia de empregar essas sessenta horas em um único banho, ao invés de salpicarmos nosso dia a dia com essa atividade?
Existe uma metodologia ágil para a gestão de projetos chamada SCRUM. Usando essa estrutura, é possível diminuir consideravelmente o tempo gasto nas várias atividades que um projeto requer, sem diminuir a qualidade do resultado final. Uma das premissas que considero mais interessantes nessa metodologia é levarmos em conta o tempo que gastamos nos adaptando de uma tarefa a outra, pois precisamos parar pra relembrar do que se trata o projeto, mesmo que rapidamente, a cada vez que trocamos de contexto.
Um exemplo que ilustra esse ponto é você medir quanto tempo leva para fazer três listas (de 1 a 10, de I a X e de A a J) de dois modos diferentes: no primeiro, você deve colocar um item de cada lista por vez no papel (1, I, A; 2, II, B; 3, III, C…10, X, J); no segundo modo, você deve concluir cada lista para passar pra outra (1, 2, 3…10; I, II, III…X; A, B, C…J). Já fiz esse teste com algumas pessoas e é considerável o ganho de tempo ao se fazer da segunda forma, em que a gente só precisa mudar de contexto duas vezes ao longo do exercício (ao invés de mudar cerca de trinta vezes).
Aplicando esse modo de pensar ao nosso dia a dia, certamente ganharíamos bastante tempo ao tomar um único banho no ano, comendo uma única refeição de mais ou menos 250 kg ou tomando cerca de 700 litros de água de uma só vez — janeiro seria bem agitado. No entanto, assim como o sol não permanece no nosso campo de visão por seis meses seguidos (desculpa aí, galera que mora no Círculo Polar Ártico), há ciclos que são fundamentais para o delírio que é viver em uma rocha gigante que se movimenta no espaço.
Os dias são compostos por uma sucessão de atividades que se alternam, e muitas delas fazem sentido através da repetição e do vazio presente no intervalo entre uma ocorrência e outra. É esse vazio o responsável pela reação química que faz com que uma mistura de água e farinha fermente e cresça, se transformando em um aerado pão. É o silêncio em uma conversa que abre espaço para assimilarmos o que a outra pessoa falou ou refletirmos sobre uma nova ideia que nos foi apresentada. Quando preenchemos cada segundo do nosso dia com uma tarefa, uma olhada na rede social do momento ou com o som constante de um aparelho de televisão, não liberamos espaço para que o vazio se instaure e aja sobre nós — mesmo que lentamente, como os movimentos incessantes das placas tectônicas sob nossos pés.
Pode ser muito produtivo aproveitarmos a brecha entre uma atividade e outra para concluirmos uma terceira tarefa, mas assim como plantar muitas árvores de uma vez não faz com que nenhuma delas cresça mais rápido, realizar diversas ações ao mesmo tempo nem sempre resulta em frutos melhores. Muitas vezes, esses frutos se originam de um longo processo, cheio de vazios e silêncios.
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Em março de 2021 esse texto foi editado e publicado na revista Recorte.